Técnicas de restauração ecológica
- Laboratório Ecologia da Intervenção UFMS
- 25 de jul. de 2020
- 7 min de leitura
Atualizado: 27 de jul. de 2020
Autor: Maria Luciana Zequim Colado
Mestre em Biologia Vegetal - UFMS
Revisão textual por: Letícia K. Reis e Letícia C. Garcia LEI - UFMS
O Brasil e o mundo têm passado por inúmeras mudanças ambientais nas últimas décadas e os estudos e projetos de restauração também. Ao longo do tempo a restauração passou por diferentes fases, proporcionando estruturação de conceitos e práticas e pelo aprimoramento das técnicas visando melhorar o custo-benefício, adaptação e inovação as técnicas já existentes. A restauração pode ser dividida em dois grupos de acordo com as técnicas utilizadas: Restauração Passiva e Restauração Ativa. A restauração passiva consiste em fazer o isolamento do fator de degradação da área a ser restaurada. Este isolamento, que pode ser feito através de cercas, em casos onde há criação de animais nos arredores como é no caso da pecuária, ou com faixas/aceiros entre a área produtiva e a área a ser restaurada em caso de agricultura.

Área em isolamento com presença de cerca – Restauração Passiva. (Fonte: MLZC).
Nessa situação não há intervenção humana além do isolamento do fator de degradação, de modo que o ambiente pode vir a ser regenerar sozinho. No entanto, isso só ocorre caso a área isolada apresentar capacidade de regeneração, devido à presença de banco de sementes e/ou rebrotas, contexto de paisagem que permita a chegada de novos indivíduos, ou seja, se estiver próxima áreas naturais que atuem como fonte de dispersão de propágulo, e se o nível de degradação não seja tão intenso que impeça que estes indivíduos se estabeleçam (Holl & Aide 2011). Dentre as técnicas utilizadas atualmente é a que a apresenta menor custo.
Em locais onde não há presença de regeneração ou ela não é mais possível é preciso um esforço maior a fim de iniciar o processo de restauração e então chamamos de restauração ativa. A restauração ativa, por vez, consiste em acelerar o processo recuperação da área e pode ser implantada de diferentes formas a depender dos objetivos propostos, recursos e mão-de-obra disponíveis e características da área.

Plantio de mudas (Restauração ativa) com espaçamento 3mx2m realizado na APA do Córrego Guariroba, Campo Grande – MS. (Fonte: MLZC).
A técnica mais comum no Brasil é o plantio de mudas, geralmente de espécies arbóreas, em área total com espaçamentos que variam de 3x3 a 3x2, comumente realizado em áreas sem expressão da regeneração natural e fonte de propágulos, muito comum em áreas de anteriormente ocupadas por pastagem ou agricultura mecanizada. De acordo com Guerra et al. (2019) o plantio de mudas correspondendo a 55% dos trabalhos realizados na Amazônia e 46% na Mata Atlântica (Guerra et al. 2019).
O plantio consiste basicamente na introdução de mudas, que podem ter sido cultivada em viveiro em saquinho ou tubete, mudas grandes ou pequenas e essas são introduzidas em berços preparados e dispostos em linhas horizontais em relação ao escoamento de água. Esse tipo de plantio apresenta um número de mudas fixo, devido aos diversos espaçamentos possíveis e que são previamente definidos e oferece uma rápida estruturação arbórea da área, e tem sua operacionalização bem conhecida. No entanto, essa técnica também pode ser muito custosa devido ao tempo de implantação e manejo e custos de produção e transporte das mudas, principalmente porque a produção de mudas em larga escala está concentrada na região Sudeste do país, em outras regiões são poucos os viveiros que ofertam grande escala de produções de mudas e de diversidade de espécies e formas de vida.
Outro ponto é quanto ao relevo das áreas a serem restauradas, em que a realização do plantio de mudas pode ser uma tarefa difícil em áreas de encostas íngreme ou em áreas muito fragmentadas, devido ao deslocamento de maquinários e pessoal e necessidade de manutenção frequente das áreas após o plantio, o que encarece ainda mais a técnica. Uma das alternativas para restauração ecológica ativa é a utilização do resgate de plântulas oriundas da regeneração natural para posteriormente serem transplantadas (Garcia et al. in press; Pott et al. 2018). O uso de indivíduos das espécies mais abundantes coletados em fragmentos doares naturais pode favorecer a sobrevivência, já que muitos possuem adaptabilidade genética local, além de ser uma utilização viável para áreas remotas de difícil acesso (como o Pantanal/áreas úmidas).

Resgate (coleta) de plântulas oriundas da regeneração natural para serem transplantadas em uma mata ciliar periodicamente inundável na Base de Estudos no Pantanal BEP-UFMS. (Fonte: Letícia K. Reis).
A semeadura direta que, consiste em substituir a muda por sementes encurtando assim o tempo de produção e reduzindo os gastos de viveiro e transporte. A utilização de sementes permite o desenvolvimento de uma comunidade vegetal adaptada ás condições locais e com número variável de plântulas /mudas, com números bem superiores se comparados ao plantio de mudas.

Mix de sementes preparado para semeadura direta. (Fonte: MLZC) O processo da semeadura pode ser realizado de diferentes formas, manual ou mecanizada, e facilmente adaptado aos maquinários já existentes na propriedade (Sampaio et al. 2019). A semeadura pode ainda ser consorciada a diferentes espécies de leguminosas para adubação verde e implantada em diferentes arranjos em linhas, faixas ou covetas (Reis et al. 2019), e pode ser chamada de Muvuca quando se faz um mix de diferentes espécies, e assim semeadas a mesma linha ou a lanço.
No entanto, assim como no plantio direto ainda há dificuldades em se adquirir grande quantidade de sementes, em especial, espécies do Cerrado uma vez que muitas espécies ainda são pouco estudadas, bem como ainda há diversos gargalos quanto à ecologia da germinação dessas espécies e informações sobre quebra de dormência e beneficiamento.

Coroamento sendo realizado em mudas de pequeno porte. (Fomte: MLZC). Diferentemente do plantio total e da semeadura direta que são indicados para área onde não há expressão da regeneração natural, em áreas onde há presença de regenerantes podemos trabalhar de forma a conduzir a regeneração natural, com o controle de espécies invasoras, coroamento das mudas regenerantes e o plantio de pequenas quantidades de mudas com o intuito de enriquecer a área, incrementando o número de espécies locais, sendo assim chamado de enriquecimento e/ ou plantar com o intuito de adensar a região e cobrir pontos com falhas na regeneração, chamado de plantio de adensamento. A condução é uma técnica altamente viável do ponto de vista econômico, e se aplicada nos locais adequados apresenta grandes chances de apresentar bons resultados.
Ainda nesse sentido, podemos trabalhar com algumas metodologias que facilitem a expressão da regeneração natural, como a nucleação que se baseia em criar núcleos para aproximar dois fragmentos de vegetação, por exemplo, pode ser realizada a partir do plantio de uma espécie atrativa de fauna, que funcionará como um poleiro natural, transposição de topsoil, chuva de sementes ou utilizar de galharias (que proporcionarão abrigo para a fauna) caso, essa esteja presente e disponível na região.
Em busca de melhorar essas técnicas tem-se desenvolvido novas tecnologias como é o caso do nucleário um dispositivo desenvolvido para ser acoplado à muda, como função de que acumular água e disponibiliza-la para a muda lentamente através de um tecido por capilaridade, criar uma barreira física no controle de formigas cortadeiras e gramíneas invasoras ao redor das mudas, e dessa forma, pode auxiliar no desenvolvimento das mudas e reduzir o custo de manutenção dos plantios.

Núcleário implantado em mudas de Baru (Dipteryx alata) em um plantio de mudas na APA do Guariroba Campo Grande – MS. Na imagem direita nucleário aberto mostrando o acúmulo de água nos seus tanques e o tecido que a redistribui ao solo por capilaridade (Fonte: MLZC). Com o mesmo intuito pode-se utilizar caixas de pizza (papelão) no colo da muda a fim deste criar barreira física e diminuir a incidência de gramíneas invasoras ao redor da muda. A escolha para se utilizar uma técnica ou outra depende da disponibilidade de cada material e principalmente dos valores associados a cada uma delas (Benites et al. 2020).

Caixa de papelão (pizza) implantada em uma muda de (Dipteryx alta) (Fonte: MLZC).
Referências:
Benites, R.M.A, Guerra,A., Reis, L.K., Ferreira, B.H.S., Borges, F.L.G., Ferreira, I.J.K., Abrahão, M., Garcia, L.C. 2020. Nucleário, cardboard, or manual crowning: which maintenance technique is most cost-effective in tree seedling survival establishment? Journal of Environmental Management 270 – 110900
Brancalion, P.HS., Gandolfi, S., Rodrigues, R.R. 2015. Métodos de restauração florestal: área que possibilitando aproveitamento inicial da regeneração natural no Brasil. In: Restauração Florestal editora. Oficina de texto. São Paulo .SP 189 - 218p.
Brancalion, P.HS., Gandolfi, S., Rodrigues, R.R. 2015. Métodos de restauração florestal: área que não possibilitam o aproveitamento inicial da regeneração natural no Brasil. In: Restauração Florestal editora. Oficina de texto. São Paulo, SP 219 - 250p.
Garcia, L.C., Reis, L.K., Salis, S.M., Boragin, M.R., Pereira, Z.V. In press. Ecological restoration of Pantanal wetlands. In: Flora and Vegetation of the Pantanal wetland, Damasceno-Júnior, G.A. & Pott, A. Orgs. Ed. Springer.
Girão, V. J., Santana, P. J.A., Torrecilha, S., Souza, R.P., Maria, V.R. B.,Brosig, C.2016. Métodos e técnicas para restauração da vegetação nativa - Documento técnico para orientação na Restauração da Vegetação Nativa no Bioma Mata Atlântica do Mato Grosso do Sul. - Campo Grande: IMASUL 114p. Disponível em: https://www.imasul.ms.gov.br/restauracao-da-vegetacao-nativa-no-bioma-mata-atlantica-do-mato-grosso-do-sul/
Guerra, A., Reis, L.K., Borges, F.L.G., Ojeda, P.T.A., Pineda, D.A.M., Miranda, C.O., Maidana, D.P.F.L., Santos, T.M.R., Shibuya, P.S., Marques, M.C.M., Laurance, S.G.W., Garcia, L.C. (2020). Ecological restoration in Brazilian biomes: Identifying advances and gaps. Forest Ecology and Management, 458, 117802
Pott, A., Garcia, L.C., Perreira, Z., Matsumoto, M.H., Braga, J.V. Potencial de regeneração natural da vegetação do Pantanal (2018). 10.13140/RG.2.2.11134.48969
Reis, L. K., Guerra, A., Colado, M. L. Z., Borges, F. L. G., Oliveira, M. D. R., Gondim, E. X., & Garcia, L. C. (2019). Which spatial arrangement of green manure is able to reduce herbivory and invasion of exotic grasses in native species?. Ecological Applications, 29 (8), e 02000. 10.1002/eap.2000
Sampaio, A. B.,Vieira, D. L. M.,Cordeiro, A. O. de O., Aquino, F. de G., Sousa, A. de P., Albuquerque, L. B. de, Schmidt, I. B., Ribeiro, J. F., Pellizzaro, K. F., Sousa, F. S. de, Moreira, A. G., Santos, A. B. P. dos, Rezende, G. M., Silva, R. R. P., Alves, M., Motta, C. P., Oliveira, M. C., Cortes, C. de A., Ogata, R. (2015). Guia de restauração do Cerrado: volume 1: Semeadura direta. Brasília: Universidade de Brasília, Rede de Sementes do Cerrado. 40 p. Disponível em: https://www.embrapa.br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1042015/guia-de-restauracao-do-cerrado-volume-1-semeadura-direta
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