Por Victória Amorim e Claudia Gaigher
Quem nunca viu um pequeno inseto, uma abelha ou um pequeno besouro, voando de flor em flor e se besuntando de um pozinho amarelo??
Pois é, esses bichinhos são conhecidos por suas visitas às plantas. Mas o que eles têm a ver com os alimentos que você compra na feira ou no supermercado? Muito mais do que você imagina…
Os polinizadores são essenciais para o cultivo dos alimentos. De acordo com o 1º Relatório Temático sobre Polinização, Polinizadores e Produção de Alimentos no Brasil, lançado em 2019, 76% das plantas que são fonte de alimento no país dependem da polinização realizada por insetos, abelhas, borboletas, beija-flores e morcegos.
Falar de polinização é muito mais do que apenas explicar uma interação entre animais e plantas, é tratar de uma das etapas essenciais para a produção de alimento e nutrientes essenciais na dieta dos humanos e das demais espécies. Segundo as pesquisas da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), cerca de 90% das plantas dependem do transporte que os polinizadores fazem, levando pólen entre flores iniciando a produção de sementes e frutos. São eles que “fecundam” as plantas e, por tabela, agem em favor da segurança alimentar das pessoas no Brasil e no mundo.
Sem os polinizadores a produção de alimentos teria uma redução catastrófica. A segurança alimentar é a condição de acesso físico, social e econômico a uma alimentação digna, nutritiva e suficiente para atender as necessidades e preferências de cada pessoa. É um conceito subjetivo, porque cada cultura tem as suas tradições alimentares que variam de acordo com a região onde as pessoas vivem, as suas influências sociais e étnicas e até mesmo o clima. Mas todos os povos têm em comum a dependência dos polinizadores para a roda da vida e da produção de alimentos continuar girando.
A bióloga e doutora em Ecologia, Conservação e Biodiversidade, Mariana Abraão Assunção, colaboradora do Laboratório de Ecologia da Intervenção da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul fez o estudo de campo do seu doutorado percorrendo por um ano áreas nos municípios de Dourados, Ivinhema, Jateí, Caarapó no sul do estado, regiões que tem como característica a grande produção de grãos. Ela enfatiza que a produção de alimentos pode ser criticamente comprometida sem o papel dos polinizadores. “Vai faltar alimento para nós. Quando você pensa que quase 80% do que consome depende dos polinizadores, você chega a conclusão que se não houver mais polinizador, você não vai ter 80% dessa diversidade de alimento no seu prato”. A pesquisa destaca que a garantia de qualidade de vida, uma vida saudável, estão diretamente ligadas à conservação dessas espécies polinizadoras.
Se você ainda não se convenceu da importância desses insetos, veja mais uma estatística para mudar o seu olhar para os polinizadores: 75% das safras nas lavouras de alimentos dependem de alguma forma da polinização, segundo o estudo da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Dentre os cultivos ameaçados pela ausência da polinização, estão as lavouras de café, cacau, tomate, maçã, uva, abacate, goiaba, cebola, melão, e uma longa lista de alimentos. Além disso, a produção agrícola de óleos, fibras e biocombustíveis também se beneficia da polinização.
“Sem os polinizadores existe um reflexo na insegurança alimentar, porque vai faltar comida e vai começar a pesar no bolso. A produção alimentar vai cair e os alimentos vão encarecer, pois será pouca oferta para muita demanda. A consequência vai ser um ciclo de colapso econômico e alimentar”, explica Mariana Abraão Assunção. A bióloga alerta que as pessoas precisam fazer essa conexão e saber da necessidade dos polinizadores e das consequências para todos caso eles sejam afetados.
O primeiro passo para proteger as espécies polinizadoras é repensar o modo de produção de alimentos hoje fortemente baseado no uso de uma enorme quantidade de agrotóxicos para controle de “pragas”. Mas o que podemos caracterizar como pragas em uma lavoura? Na verdade as pulverizações matam não só os insetos e microorganismos que ameaçam as lavouras, mas exterminam também gigantescas quantidades de outros insetos que são benéficos e fundamentais para o equilíbrio do ambiente e com importantes funções ambientais no ciclo da produção. O uso indiscriminado dos produtos químicos nas lavouras diminui a capacidade de produção de pólen e néctar de algumas plantas, reduzindo os recursos para os polinizadores. Muitos desses agrotóxicos agem diretamente no sistema nervoso dos insetos que se desorientam e simplesmente morrem.
Para a pesquisadora Mariana Abraão Assunção, o ideal seria a população priorizar o consumo de alimentos orgânicos e livres de agrotóxicos, ou dar preferência para comprar esses alimentos dos produtores pequenos da agricultura familiar que geralmente não têm uma produção em larga escala e usam menos defensivos agrícolas em suas pequenas lavouras. “A gente precisa começar a dar importância para a alimentação orgânica, dar espaço para esses alimentos. Se começarmos a consumir e a demanda for maior, além de mais saúde e qualidade, iríamos contribuir para a conservação dos polinizadores”.
Mas e quando o produto orgânico é mais caro ou não têm pra vender nos mercados e sacolões perto das sua casa? Uma tendência que vêm crescendo no mundo são as hortas comunitárias ou até mesmo a produção individual de alguns alimentos em pequenos vasos e até nas pequenas faixas de quintal que muitas pessoas tem em casa e não utilizam como recurso para produzir uma alface, uma couve, um tomate, abóboras ou tomates. Uma hortinha orgânica em casa além de ser um belo escape para cuidar da saúde mental e ocupar o tempo nas horas de lazer, pode servir também de elo, unindo filhos e pais numa rotina saudável de cuidar, esperar crescer e se alimentar daquilo que semeou no quintal de casa. Com certeza a saúde familiar vai melhorar e os custos com compras em mercados vão diminuir. Pode dar um trabalho extra, mas nesse calor que o Centro Oeste do Brasil vem enfrentando, regar a hortinha e aproveitar para tomar um belo banho de mangueira com as crianças pode ser um programa pra lá de divertido e repleto de significados na educação ambiental das futuras gerações.
O possível fim dos insetos polinizadores, especialmente das abelhas, é uma preocupação que deixa os cientistas inquietos principalmente por causa da síndrome do colapso das colônias e o alto índice de morte de abelhas nos últimos anos em todo o mundo. Em 2019, mais de 45 milhões de abelhas foram encontradas mortas em Mato Grosso do Sul, no mesmo ano milhões de abelhas morreram em Santa Catarina. Na época os laudos mostraram que a maioria das abelhas foi envenenada com uma substância chamada Fepronil, um defensivo químico usado nas pulverizações de lavouras que afeta o sistema nervoso central das abelhas que acabam se desorientando, não conseguem voltar para as colméias. Esse defensivo é proibido na Europa e já existem várias iniciativas no Brasil para regular o uso com normas mais rígidas de fiscalização. Mas o problema está longe de ser equacionado. Em maio de 2023 um milhão de abelhas foram encontradas mortas em três propriedades rurais no município de Brasnorte no estado vizinho de Mato Grosso. De acordo com o Instituto de Defesa Agropecuária Estadual (Indea-MT) a suspeita é que a mortandade das abelhas possa estar ligada ao uso de agrotóxicos nas lavouras próximas às colmeias.
Os pesquisadores defendem uma ação conjunta entre gestores públicos, legisladores, comunidade científica, sociedade civil e produtores. Buscar o equilíbrio nas ações pensando no sistema como um todo e não apenas na produção em larga escala.
Nesse contexto, as iniciativas de ações que passam por legislações mais restritivas, fiscalização diante do uso indiscriminado de agroquímicos, conscientização da classe produtora dos impactos de suas atividades e também união de forças em busca de soluções, são as que vêm surtindo melhores resultados. O apoio dos produtores é fundamental, para deixar em suas propriedades áreas naturais com recursos para esses insetos, como flores, protegendo os habitats naturais que são ricos em recursos para sobrevivência dos polinizadores. Uma política de zoneamento e restrição de pulverizações aéreas também são medidas mitigatórias.
Além disso, as pessoas também podem contribuir plantando espécies que têm muita produção de flores, é uma maneira de fornecer recursos para a permanência dos polinizadores, e as população pode cobrar dos seus governantes ações mais efetivas e se informar sobre a cadeia produtiva dos alimentos que escolhe para pôr na mesa todos os dias.
A Organização das Nações Unidas decretou que estamos na década da restauração de ambientes. Restaurar não só árvores, mas também herbáceas, arbustos, trepadeiras e epífitas são estratégias importantes, pois as não-arbóreas produzem flores em épocas diferentes das espécies de árvores, e o plantio em conjunto gera recursos ao longo de todo ano os recursos necessários para garantir a permanência dos polinizadores na área, é o que explica a profa Letícia Couto Garcia, coordenadora do LEI, que estudou este tema no seu doutorado na Mata Atlântica.
Quando o projeto de restauração segue a linha do plantio de espécies que têm seu período de floração em diferentes épocas, é possível escalonar, enquanto em alguns meses espécies específicas de árvores estão sem flores, as trepadeiras podem estar florescendo em abundância, garantindo recurso para os polinizadores. Restaurar o equilíbrio de um ecossistema é pensar em sua viabilidade ecológica na prestação dos serviços ambientais que cada ser vivo ali pode oferecer. Além disso, podemos também restaurar plantas nativas alimentícias, que fornecerão alimentos para aqueles que os plantarem e as flores aos polinizadores. Um ambiente restaurado pode garantir polinizadores para os vizinhos que têm lavouras, desde que haja uma parceria nas escolhas de espécies cultivadas e de manejo dessa lavoura. A palavra que precisa ser mais aplicada na prática é conexão. Entender as relações ecológicas e saber que quando um elo dessa imensa corrente se rompe, todo o sistema entra em colapso.
Pode até ser difícil para a dona de casa e as pessoas que vivem nas cidades e não tem muitas chances de se aprofundar sobre o dia a dia nos campos de produção, entenderam essa relação ecológica, mas é importante relacionar a morte dos polinizadores ao preço da comida. Quando as pessoas começarem a prestar atenção e perceberem o sumiço daqueles insetos que antes estavam tão presentes no campo, vão entender que o alimento que está chegando em seus pratos pode estar caro não só para o orçamento de muitas famílias, mas também para o meio ambiente.
Fontes: Biólogas Mariana Abreu e Letícia Garcia, Embrapa, CropLife Brasil.
Comments