Resumo do artigo por Victória Amorim
Com promessa de facilitar as rotas das embarcações pelos rios, o megaprojeto da hidrovia Paraná Paraguai (HPP) causará destruição e devastação da diversidade cultural em um patrimônio global, a maior área alagável do mundo, considerada Patrimônio Nacional (1988), compreendendo uma Reserva da Biosfera e Patrimônio Natural Mundial da UNESCO (UNESCO 2000), o Pantanal.
Berço de riquezas e biodiversidade, com 2.272 espécies de plantas, mais de 580 aves e um número cada vez maior de espécies identificadas de peixes, o Pantanal é a maior área úmida de água doce contínua do planeta e representa um imensurável valor cultural e ambiental. Essa importante região que influência no clima, hidrologia e na diversidade ecológica, enfrenta com constância diversos desafios naturais e, especialmente, os causados por ações humanas.
O megaprojeto foi criado pela Argentina, Bolívia, Paraguai, Uruguai e Brasil com a intenção de transformar os rios Paraguai e Paraná em um canal industrial de navegação para facilitar o transporte de commodities em comboios de barcaças durante todo o ano. Para realização dessa obra é necessário uma alta modificação na formação dos trechos dos rios, a partir de ações como o derrocamento, dragagem e canalização estrutural, que podem cortar o fluxo dos rios e, consequentemente, dos sedimentos, nutrientes e peixes.
Todos os corpos d'água naturais apresentam um lençol freático que muda ritmicamente, especialmente em inundações sazonais como o Pantanal, que alterna entre uma fase de inundação e uma de seca a cada ano. Essas mudanças rítmicas são fatores que impulsionam as estratégias adaptativas na biota e nos humanos, resultando na diversidade existente nessas regiões. Por isso, as áreas úmidas são importantes para o clima e biodiversidade, além de armazenarem de 20 a 30% do carbono terrestre.
Dado essas características naturais e essenciais para conservação, um megaprojeto que precisa interferir no ritmo de inundação do Pantanal é a sentença para diversidade e benefícios oferecidos pela região, onde, além dos animais, habitam diversas comunidades responsáveis pela produção mel, pesca e extração sustentável de recursos naturais.
A primeira versão do projeto havia sido planejada na década de 1980, mas, com evidências sobre os impactos irreversíveis da obra, a parte brasileira do projeto foi recusada pelo governo federal em 2000. Os defensores do transporte fluvial continuaram a pressionar para aumentar a dragagem do canal e o desenvolvimento de portos e outras infraestruturas ao longo do alto rio Paraguai.
Foram emitidas licenças preliminares para a construção de instalações portuárias rio acima do Pantanal, perto de Cáceres (Mato Grosso), e dentro do Pantanal, em Porto Esperança (Mato Grosso do Sul). Atualmente, a Hidrovia está sendo planejada para tornar o Rio Paraguai navegável para comboios maiores de barcaças, exigindo o aprofundamento do canal. A consequência disso seria o fim das inundações, visto que elas dependem do atraso na drenagem dos rios, ou seja, precisa dos sedimentos endurecidos e afloramentos rochosos no canal do rio.
Impactos e consequências
Para melhorar a navegabilidade nos rios, um dos objetivos da obra seria a remoção dos sedimentos e, consequentemente, do aprofundamento do leito do rio, o que resulta em níveis de água mais baixos e na redução do ecossistema de planície de inundação. Além disso, os impactos dessa mudança atingem diretamente a biota do Pantanal, que depende do regime hidrológico natural, a ausência, a periodicidade ou o encurtamento dos eventos de inundação/seca, eliminaria as populações das espécies que habitam a região. Isto também influenciaria no aumento das monoculturas.
Para além das espécies vegetais e animais, diversos povos que vivem no Pantanal perderiam sua fonte de renda, de alimento e cultura. Essas pessoas, ribeirinhos, pescadores, indígenas e fazendeiros, são responsáveis pelo uso respeitoso e sustentável dos recursos naturais. A modificação dos serviços ecossistêmicos, dessa forma, tende a promover uma perda cultural e social.
Os problemas causados a região podem interagir com as mudanças climáticas, como, por exemplo, a redução das inundações que tende a gerar efeitos negativos sobre o clima por meio da redução da evapotranspiração, o que irá interagir com consequência já existente das mudanças climáticas, secas prolongadas, calor extremo e eventos de chuva. Por exemplo, entre 2019 e 2021, a navegação foi impedida devido à seca até mesmo nos trechos já aprofundados do rio Paraguai entre Corumbá e Assunção, durante longos períodos do ano. Assim, essas tendências recentes e evidentes de mudanças climáticas podem ser amplificadas pelas intervenções no rio.
Esses são apenas alguns dos impactos que a execução do megaprojeto da hidrovia Paraná Paraguai (HPP) pode gerar. Leia o artigo publicado por 42 cientistas brasileiros e estrangeiros com colaboração do LEI “O fim de um bioma inteiro? A maior área úmida do mundo, o Pantanal, está ameaçada pelo projeto Hidrovia, cuja capacidade de suportar a navegação em larga escala de forma sustentável é duvidosa” na integra para compreender a total devastação ambiental que pode ser atingida se o projeto vir a se tornar realidade.
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