Autor: Renata Dias e Bruno H.S. Pereira
Mestranda em Ecologia e Conservação - UFMS
Revisão textual por: Letícia C. Garcia LEI - UFMS
A maior zona úmida tropical do planeta, o Pantanal, vem sofrendo com crescente ocorrência de incêndios de origem antropogênica, agravados pelas condições climáticas do momento, o período seco. O número de focos de incêndio na região do Pantanal, que abrange territórios do Brasil, Bolívia e Paraguai, disparou, aumentando 241% no primeiro semestre de 2020, comparado com o mesmo período do ano passado. Neste ano já foi registrada a ocorrência de 11.025 focos de calor, somente no período entre janeiro a julho (dos quais 79,7% em Corumbá), levando a declaração de emergência ambiental e rural pelo governo do Estado de Mato Grosso do Sul.
Carcaça de Jabuti após queimada no Pantanal - Terra Indígena Kadiwéu. Fonte: BHSF
Este alarmante número de incêndios em relação a anos anteriores, segundo a Embrapa Pantanal, pode ser explicado pela redução histórica de até 40% no volume de chuvas na região, cuja os efeitos podem ser percebidos pela nível do Rio Paraguai que em 14 de junho deste ano foi de apenas 2,6m, menor nível de cheia desde 1970. A preocupação é ainda maior porque historicamente o primeiro semestre do ano é o que apresenta os níveis mais baixos de queimadas e o número de focos tende a se intensificar nos meses de agosto e setembro, auge da estação seca. Segundo boletins meteorológicos a falta de chuva em julho é comum no Centro-Oeste, com estação seca que pode se estender por todo o inverno, parte do outono e até o começo da primavera.
Na ecorregião do Pantanal, o período úmido, geralmente limita-se ao verão, mas este ano, a precipitação no Pantanal tem sido baixa. As chuvas de verão são fundamentais para reabastecer as reservas de água do Pantanal. O déficit de chuvas aumenta o acúmulo de biomassa vegetal seca, aumentando a carga de combustível, o que contribui com alastramento de focos de fogo e risco de incêndios de grandes proporções, difíceis de serem contidos pelas brigadas. Com a expectativa de grandes chuvas somente em novembro, este momento é de muita atenção e cuidado com o Pantanal, que embora resiliente ao fogo, pode sofrer impactos severos agravados por mudanças no uso do solo, mudanças climáticas e alterações na freqüência histórica de fogo, condições ainda sobre estudo.
Focos de fogo no Centro-Oeste em 23/7/2020 (Imagem Terra/MODIS - NASA)
O Pantanal esta sujeito a ocorrência de incêndios naturais, decorrentes de tempestades com raios que podem acontecer na primavera, período de transição entre a estação seca e a estação chuvosa no Brasil central. Deste modo, há uma relação histórica entre a paisagem pantaneira e o fogo, que é mediada pelo clima. Além disso, povos tradicionais, como indígenas, que habitam a região, manejam seus territórios com o uso do fogo de forma eficiente há várias gerações, atribuindo valor histórico, social e cultural a presença do fogo no Pantanal. A maior parte dos incêndios têm origem humana, mas, geralmente, os incêndios não são propositais, uma vez que há uma série de atividades em que as pessoas utilizam o fogo e o apagam em seguida.
Por exemplo, para o manejo de pastagens, mas dependendo da região, esse fogo permanece na forma de “fogo subterrâneo” e vai queimando a matéria orgânica na turfa, alastrando-se em seguida. Na atualidade, entre supressão total e os incêndios catastróficos, diversas são as influências da intervenção humana sobre a freqüência e regime de queima, que por vezes levam a acidentes ambientais, pela ocorrência de incêndios que escapam do controle, criando uma situação não natural, deixando vulneráveis, mesmo ecossistemas historicamente moldados pelo fogo, como o Pantanal, que até então carece de estudos.
Números de focos de incêndio no Pantanal. Comparativos entre 2020 com valores máximos, mínimos e médios desde 1998. Fonte: IBAMA-PREVFOGO
Estima-se que 4.700 plantas e animais diferentes vivem no Pantanal, incluindo onças-pintadas, jacarés, tamanduás, capivaras, araras e centenas de espécies de peixes. Todas as espécies estabelecidas no Pantanal são adaptadas ao fluxo e refluxo da água que entra nesta vasta planície de inundação durante a estação chuvosa, sendo drenada lentamente durante a estação seca, período de maior incidência do fogo. Todavia, nem sempre estes animais conseguem escapar do fogo, podendo ser grandes vítimas de incêndios, morrendo diretamente ou através da destruição de seu habitat.
Neste sentido, é importante o manejo do integrado do fogo para que ocorra a manutenção da ocorrência do mesmo em mosaico, que gera refúgios para a fauna durante eventuais incêndios, além de configurar mosaico de habitats que asseguram a disponibilidade de recursos e suportam a biodiversidade. O Pantanal é caracterizado por um mosaico descontínuo em sua vegetação, com presença de formações mais fechadas, como matas de galeria e formações mais abertas, como campos de gramíneas nativas, entremeados por savanas com espécies do Cerrado, moldadas pela geomorfologia, inundação e fogo. Deste modo, a vegetação pantaneira é resiliente ao fogo, composta por espécies, que apresentam adaptações, como súber espesso, capacidade de rebrota e formação de banco de sementes, regenerando-se espontaneamente após o fogo. Neste cenário, animais abrigados em refúgios, geralmente manchas de vegetação menos inflamáveis, podem gradativamente recolonizar áreas queimadas, contribuindo para a restauração e diversidade destas, devido a movimentação de animais polinizadores e dispersores de sementes.
Paisagem pós queimada no Pantanal - Terra Indígena Kadiwéu. Fonte: BHSF
Além disto, a rápida colonização de herbívoros em buscas de brotos, implica em atração de carnívoros restaurando-se assim a teia alimentar. Para o sucesso neste processo, é preciso que a freqüência e o regime histórico de fogo sejam mantidos ou restaurados, tarefa difícil, mas que hoje se faz possível, graças ao uso de geotecnologias e modelagens computacionais, além do indispensável monitoramento dos efeitos do fogo, sobre a biota, a sociedade local e a saúde da população, fatores importantes para o manejo integrado do fogo. No dia 16 do mês de julho de 2020, foi publicado o decreto presidencial nº 10.424 que restringe o uso do fogo por 120 dias em todo território nacional, com proibições adicionais à localidades dentro do bioma Pantanal e Amazônia, onde nem mesmo as queimadas controladas serão permitidas. Apesar disso, a diminuição do orçamento dos órgãos responsáveis pela fiscalização e, consequentemente dos recursos disponíveis para conter as queimadas pode ser um dos fatores agravantes da situação agravada neste ano. Deste modo, este episódio e tantos outros, reforçam a importância de se pensar em um sistema de prevenção, manejo integrado do fogo, comunicação e alerta de eventos climáticos extremos no Pantanal e reforço da fiscalização para evitar os grandes incêndios. Os proprietários rurais e as comunidades ao entorno das regiões do Paraguai – Mirim e fronteira com a Bolívia também precisam ser inseridas no esforço da conservação da biodiversidade através da conscientizando da população dos perigos desta prática de forma inadequada fomentando a criação de brigadas comunitárias no Pantanal. Este esforço coletivo e político é necessário para evitar que os grandes incêndios gerem além dos prejuízos para a saúde humana e do meio ambiente, prejuízos à economia do país, uma vez que o agronegócio no Pantanal é insustentável caso não considere a sua biodiversidade.
Fontes:
SOS Pantanal, 2020. Pantanal enfrenta aumento de 241% em queimadas em 2020.
Vice, 2020. The worlds largest tropical Wetland is on fire.
BBC, 2020. Fires in Pantanal, world's largest tropical wetlands, 'triple' in 2020.
Brasil de fato, 2020. As consequências são irreparáveis diz indígena terena sobre destruição do Pantanal.
Brasil de fato, 2020b. Número de queimadas no Pantanal dispara e é o maior já registrado.
Clima tempo, 2020. Queimadas aumentam 200% no pantanal em 1 ano.
ECOA, 2020. Da serra do amolar ao todo o Pantanal, as queimadas são um problema crônico.
OECO, 2020. Queimadas no Pantanal aumentam 189 % em relação a 2019 e batem recorde.
Congresso em Foco, 2020. Governo utilizou 9 dos recursos disponiveis para conter queimadas disz INESC.
Correio do Estado, 2020. Pantanal enfrenta a pior seca dos últimos 50 anos.
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