Por Maria Luciana Zequim Colado, mestre em Biologia vegetal - UFMS
Durante o mês de agosto estávamos em campo na Terra Indígena Cachoerinha – Aldeia Mãe Terra para coleta de sementes e produção de mudas, uma das etapas do projeto “restauração socioecológica do Pantanal e seu entorno”. Durante as atividades, fomos surpreendidas com notícias de vários focos de incêndios na aldeia e região.
Ao identificarmos os pontos de incêndios, logo tentamos contato com as equipes de brigadistas da região e instituições parceiras a fim de unir esforços e minimizar os danos. Tanto o PrevFogo quanto os bombeiros foram acionados, sendo que uma equipe do PrevFogo estava em combate dentro desta TI, porém o incêndio vinha de várias frentes e eles precisariam de reforço e todas as demais equipes já estavam em combate em diferentes áreas do Pantanal e entorno. Após o esforço e a busca por ajuda imediata sem sucesso, ficou claro que não haviam recursos humanos disponíveis, faltam equipes equipadas e capacitadas para tal trabalho.
Figura 1. vegetação queimada no interior da Aldeia Mãe Terra agosto 2021.
Sem reforço para o combate, em 7 dias a TI perdeu cerca de 800 hectares entre vegetação nativa e pastagem, muitos animais domésticos e silvestres morreram e famílias precisaram fugir para buscar abrigo, longe das chamas. Ano passado, neste mesmo período, até 30 de agosto/21, o Pantanal teve 1.600.000 hectares queimados pelas chamas, este ano já até o momento já foram 700.000 hectares queimados, segundo o LASA/UFRJ. Como atuar diante desse cenário?
2020 trouxe taxas recordes: a área afetada pelo fogo aumentou 376% em 2020 quando comparado ao esperado pelo valor médio das últimas duas décadas; com 43 % dessa área afetada em 2020 não havia sido queimada anteriormente desde as últimas 2 décadas, afetando ecossistemas que atuaram como refúgios de incêndios durante eventos anteriores; experimentou o nível de água mais baixo, durante o período de inundação, do Rio Paraguai nos últimos 17 anos, o máximo atingiu menor valor desde 1973 (ler as referências abaixo). Com isso, houve intensa mobilização da sociedade civil e instituições em formar e capacitar grupos de pessoas, para a linha de frente ao combate, as chamadas brigadas de incêndios.
Dentre essas instituições a SOS Pantanal apoiou a estruturação de 305 pessoas, divididas em 24 brigadas espalhadas por todo a Pantanal. Outra instituição a ECOA também vem atuando no apoio logístico e capacitação junto ao Prevfogo na formação de mais 17 brigadistas indígenas para atuar no combate a incêndios no Pantanal. Ao todo são 15 brigadas voluntárias apoiadas por eles nos limites do Pantanal, incluindo uma delas na T.I. Cachoeirinha - Aldeia Mãe Terra formada na última semana de agosto de 2021.
Ambas as instituições são parceiras do LEI, e contribuem para que os trabalhos de restauração desenvolvidos com a comunidade indígena possam de fato, acontecer.
A capacitação de pessoas pode salvar o Pantanal. Essas equipes de brigadistas atuam não só na linha de frete durante os incêndios, mas também na prevenção, com atividades planejadas e em locais estratégicos, para que o fogo quando ocorrer possa ser controlado o mais rápido possível. É o chamado Manejo Integrado do Fogo (MIF) que conta com o conhecimento tradicional (práticas milenares dos povos tradicionais) e com o conhecimento científico (ecologia do fogo).
Uma prática que vem sendo utilizada é a construção de aceiros (faixas de 4 a 6 metros de larguras sem vegetação) que impedem que o fogo se alastre pelo solo. Além das práticas em campo, há também a realização de atividades de educação ambiental com as comunidades, alertando sobre os riscos de queimadas em períodos e em condições climáticas inadequadas e seus prejuízos ao meio ambiente e saúde humana e animal.
No mês de julho deste ano, acompanhamos uma equipe de brigadistas do PrevFogoMS em atividades de prevenção como estas. A equipe construiu um aceiro ao redor
da vegetação florestal que abrange nascentes que serão restauradas pelo projeto, fez queimas e rebaixamento da biomassa do entorno para prevenir que o fogo não atinja a área e reuniu a comunidade para uma conversa sobre o tema. Logo após, conseguimos articulação com a ECOA para equipar uma brigada voluntária nesta aldeia, cujos equipamentos formam financiados pela WWF.
Com toda esta urgência, este equipamento ele foi entregue imediatamente para ser usado para apagar as chamas que ainda persistem. O treinamento foi realizado no ultimo final de semana de agosto.
Figura 2. Equipe do Prevfogo conversando com a comunidade.
Em menos de um mês após este trabalho realizado pela parceria com o PrevFogo (ver foto
ao lado) um incêndio foi iniciado nas margens da rodovia e se alastrou pela vegetação a dentro, mas não atingiu a nascente devido presença do aceiro, que foi capaz bloquear o fogo,
Ou seja, fica evidente que o Manejo Integrado do Fogo é efetivo neste controle e essencial que o MIF ganhe escala para evitar queimas recorrentes em ambientes que abrigam espécies que sejam sensíveis ao fogo.
Figura 3. Equipe do Prevfogo trabalhando as margens da
rodovia, na construção de um aceiro ao redor da
vegetação. e abaixo feito pela mesma equipe na lateral
da do fragmento.
Em outro ponto no interior da aldeia, outro aceiro foi construído, desta vez pela própria comunidade Terena, e que também foi eficaz para conter um grande foco que se alastrava a dias. Ou seja, fica evidente que o conhecimento tradicional é efetivo neste controle.
Figura 4. Aceiro construído pela comunidade no interior da aldeia, é possível notar ao fundo a camada de fumaça no horizonte.
O LEI também participa do projeto Noleedi que atua na avaliação dos efeitos do fogo, do MIF e inundação sobre a biota no ecótono Cerrado-Pantanal na maior Terra Indígena do MS, os Kadiwéus, e no seu blog recentemente respondeu uma série de perguntas a respeito dos incêndios: https://noleedi.blogspot.com/2020/10/projeto-noleedi-responde-12-perguntas.html
Seguem também algumas recentes publicações do LEI e colaboradores a respeito deste tema:
1- Garcia, L.C., Szabo, J.K., Roque, F.O., Pereira, A.M.M, Cunha, C.N., Damasceno-Júnior, G.A., Morato, R.G., Tomas, W.M., Libonati, R., Ribeiro, D.B. 2021. Record-breaking wildfires in the world's largest continuous tropical wetland: Integrative Fire Management is urgently needed for both biodiversity and humans. Journal of Environmental Management, 293: 112870
2- Ferreira, B.H.S., Guerra, A., Oliveira, M.R., Reis, L.K., Aptroot, A., Ribeiro, D.B., Garcia, L.C. 2021. Fire damage on seeds of Calliandra parviflora Benth. (Fabaceae), a facultative seeder in a Brazilian flooding savanna. Plant Species Biology, 1-12. https://doi.org/10.1111/1442-1984.12335
3- Damasceno-Jr, G.A.; Roque, F.O. ; Garcia, L.C. ; Ribeiro, D. B. ; Tomas, W. M, ; Scremin-Dias, E. ; Dias, F. A. ; Libonati, R. ; Rodrigues, J. A. ; Santos, F. L. M. ; Pereira, A. M. M. ; Souza, E. B. ; Reis, L. K. ; Oliveira, M.R. ; Souza, A. H.A. ; Manrique-Pineda, D. A., Ferreira, B.H.S., Bortolotto, I.M., Pott, A. (2021). Lessons to be learned from the wildfire catastrophe of 2020 in the Pantanal wetland. Wetland Science & Practice, 38: 107-115.
4- Libonati R, Sander LA, Peres LF, DaCamara CC, Garcia LC (2020) Rescue Brazil’s burning Pantanal wetlands. Nature 588: 217–220.
5- Libonati R, Garcia LC (2020) Queimadas, incêndios... é fogo! Ciência Hoje das Crianças 317.
6- Pivello, V. R., Vieira, I., Christianini, A. V., Ribeiro, D. B., da Silva Menezes, L., Berlinck, C. N., ... & Overbeck, G. E. (2021). Understanding Brazil’s catastrophic fires: Causes, consequences and policy needed to prevent future tragedies. Perspectives in Ecology and Conservation. 19: 233-255
Destaques dos parceiros:
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