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Foto do escritorLaboratório Ecologia da Intervenção UFMS

Análise de gênero na carreira de bolsistas

Atualizado: 31 de mai. de 2020

Autor: Renata Dias

Mestranda em Ecologia e Conservação - LEI UFMS

Revisão textual por: Letícia K. Reis e Letícia C. Garcia


 

Texto baseado no artigo: “Desenvolvimento na carreira de bolsistas produtividade: uma análise de gênero” Barros et al. 2019, publicado no Periódicos Eletrônicos de Psicologia.



Nas últimas décadas têm crescido o número de brasileiros e brasileiras com os níveis mais elevados da educação superior. Os investimentos em pesquisa científica, em geral, envolvem a concessão de bolsas de incentivo que são quase sempre disputadas a partir da avaliação do que é produzido, inclusive em termos de qualidade e relevância.


Quando observada a distribuição de bolsas, há um desequilíbrio entre mulheres e homens bolsistas de produtividade em pesquisa (PQ) com os homens predominando em todos os níveis, sendo maior a diferença à medida que ocorrem as mudanças de níveis na carreira e aumento de prestígio do pesquisador. Este é um fenômeno complexo que tem muitas raízes, desde a suposição de que cabe às mulheres os cuidados com a casa e a família, com um maior número de horas de dedicação feminina às tarefas domésticas (24 horas por semana) quando comparado aos homens (10 horas semanais), até aspectos socialmente mais amplos, que envolvem uma percepção da capacidade feminina para determinadas áreas e atividades, com ampla ancoragem nos estereótipos de gênero.


Atualmente titulam-se mais doutoras que doutores no Brasil, o percentual de mulheres que publicam trabalhos científicos cresceu 11% em duas décadas e elas já respondem por 49% de todos os trabalhos produzidos no país, com qualidade semelhante à dos homens. Diante de toda essa incorporação feminina na pesquisa, esperava-se que, ao menos no nível inicial da carreira de bolsistas (PQ2), o predomínio masculino na distribuição de bolsas apresentasse tendência decrescente. Mas ao contrário, a distribuição de homens e mulheres manteve-se estável nos cinco níveis de bolsa, demonstrando que as diferenças de gênero ainda persistem no meio científico.


No Brasil, existem evidências de que o problema não está mais na impossibilidade formal de as mulheres alcançarem os altos cargos na academia, como sugerido pela analogia do glass ceiling, que considera a existência de uma barreira invisível que não permitiria a ascensão das mulheres na ciência. As discrepâncias de gênero ainda existentes por aqui, apontam para a presença de um conjunto de obstáculos ao longo da trajetória feminina para chegar ao topo, trazendo a noção do labirinto de cristal, que indica não mais a existência de uma barreira rígida para se ocupar determinados níveis hierárquicos, mas uma sucessão de dificuldades respaldadas por práticas sociais pouco explícitas, com as quais as mulheres precisam lidar em suas carreiras profissionais e também em suas vidas pessoais.


Uma aparente mudança de geração demonstrada na comparação das médias de produção científica de homens e mulheres, por nível de carreira, durante os primeiros cinco anos seguidos a maternidade ou paternidade, traz esperança acerca dos resultados da luta feminista. A média de artigos publicados por homens dobra se comparada à média feminina entre pesquisadores bolsistas mais velhos. Entretanto, essa diferença não se mantém entre mulheres e homens bolsistas mais jovens. Essa pode ser uma evidência do maior engajamento dos homens na criação dos filhos, já vivenciando mudanças no meio científico que se tornarão mais evidentes dentro de algumas décadas.


São inegáveis as conquistas das mulheres em diversos âmbitos da vida pública, contudo, elas continuam marcadas pelos tradicionais estereótipos atribuídos aos papéis femininos. Ignorar as desigualdades entre homens e mulheres e as diferenças nas suas trajetórias, naturaliza a ideia da ciência como um campo masculino.


Embora muito importante, os processos de avaliação e promoção mais justos e transparentes não são suficientes. Mais que isso, é necessário que ocorra uma forte mudança cultural no sentido de se questionar as práticas sociais ainda enraizadas. É de grande importância a definição de políticas públicas institucionais que considerem as desigualdades de gênero no contexto científico. Discussões acerca da influência dos estereótipos de gênero no que diz respeito ao possível desequilíbrio na divisão das responsabilidades familiares entre mulheres e homens até mesmo em grupos da mais alta formação acadêmica, também tem sua elevada relevância para que homens e mulheres tenham as mesmas chances na produção de ciência e tecnologia.


O projeto Parent in Science (Pessoas com filhos na ciência, em tradução livre), realizou no segundo semestre de 2017 uma pesquisa, por meio de questionário online, que foi respondido por 1.182 docentes brasileiras. Entre as respondentes, 77% eram mães e 54% delas eram as únicas pessoas responsáveis pelo cuidado de seus filhos. A pesquisa também analisou o ritmo de publicações científicas das respondentes com e sem filhos e constatou que enquanto as cientistas sem filhos têm uma curva ascendente em sua produção científica, as que se tornam mães têm uma queda drástica nas publicações até o quarto ano do nascimento do primeiro filho, para só depois disso começar a ascender novamente.


As instituições precisam agir para manter as mulheres na carreira científica, não só por uma questão de justiça social e igualdade de oportunidades, mas porque a diversidade de experiências enriquece a ciência.




Barros, S. C. D. V., & Silva, L. M. C. (2019). Desenvolvimento na carreira de bolsistas produtividade: uma análise de gênero.Arquivos Brasileiros de Psicologia,71(2), 68-83.


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